A vela e a gamela.
Eram 21h37min de uma noite calma em meados de outubro. Seria uma noite qualquer, não fosse o início do desenrolar de um episódio que muitos tentaram explicar, mas não conseguiram. Gegê, como era conhecido pelos amigos estava na sala olhando sua novela preferida, sua filha Manuela de oito anos estava no quarto estudando, enquanto que sua sogra dona Gertrudes estava lavando a louça da janta, quando inesperadamente o telefone toca.
Gegê de um sobressalto corre para atender:
- Alô! - Diz já angustiado.
- Sr. João Gervásio? - Pergunta uma voz doce ao telefone.
- Sim! - Responde um pouco mais calmo.
- Aqui é do hospital Chagas de Cristo e lhe pedimos para vir o mais depressa possível, pois sua esposa está em trabalho de parto e tem complicações. - Comunicou a mesma voz e com a mesma doçura de antes.
Dito isso, Gegê largou o telefone e correu ao quarto pegar sua carteira e as chaves do carro, quando passou pela sala sua sogra, da cozinha gritou:
- O que está acontecendo João?! - Perguntou-lhe esbaforida.
Sua sogra era a única pessoa que lhe chamava pelo primeiro nome.
- A Jô não está bem tenho que ir lá depressa! - Respondeu com semblante assustado.
- Ah! Espera um minuto que vou contigo! - Retrucou a sogra enquanto ia para o quarto.
- Mas, minha sogra, eu tenho pressa e a senhora pode ficar com a Manú! – Esbravejou já perto da porta.
- Não! Não! É só um minuto e levo-a também! - Gritou a sogra irredutível.
Pouco mais de cinco minutos depois estavam prontos os três e se iam para a cidade. Acontece que durante o percurso era necessário atravessar um rio que tinha uma balsa para transpor veículos. Gegê deixou sua sogra e sua filha no carro em cima da balsa e cruzou a ponte pênsil até o outro lado do rio para puxar a balsa, pois o balseiro só trabalhava até as 19h00min.
Quis o destino que na aflição dos últimos acontecimentos Gegê esquecesse o carro desengatado, ato falho, num solavanco da balsa o veículo caiu dentro do rio afundando com as duas dentro. A primeira reação do homem foi pasmar completamente estático à margem do rio sem saber o que fazer, depois de breves instantes em transe caiu em si e começou a gritar por socorro enquanto entrava no rio. No mesmo lado em que estava para puxar a balsa a pouco mais de trinta metros tinha um mercadinho onde alguns homens ainda tomavam cachaça e conversavam, nisso, ouviram a gritaria do homem no rio, que alucinado em desespero pedia por socorro. Correram então para ver o que se passava, constataram em seguida o trágico sinistro.
Por ironia do destino o que chegou primeiro na beira do rio era o mais hábil nadador deles e chegou antes mesmo do pai desesperado que não sabia nadar direito e se debatia na água gritando pela filha:
- Manú! Manú!
A primeira a ser resgatada foi a menina que foi puxada de dentro do carro pelos cabelos já desacordada, levaram-na para a margem do rio e lhe aplicaram os primeiros socorros para afogamento, quando ela reagiu e acordou colocaram-na em um carro e lavaram-na às pressas para a cidade junto com seu pai. Nesse meio tempo o homem que mergulhava já estava procurando a sogra de Gegê, mais uma vez o destino teceu sua trama, a porta do carro afundado estava aberta e a mulher já não estava lá dentro, contudo, a perseverança do homem que mergulhava não o deixou desistir e ele seguiu madrugada adentro empreendendo busca. Com o passar da noite, populares se aliavam e bombeiros também chegavam para os trabalhos de resgate, mas a alvorada chegou sem que a mulher desaparecida no rio retornasse.
A morte não constatada ainda, já era uma certeza, mas as equipes de busca haviam aumentado nesse primeiro dia e não se cogitava em desistir de encontrar o corpo. Passou-se a segunda noite e o segundo dia e algumas pessoas levantavam a hipótese de não se conseguir encontrá-la, minando a resistência de outros também, bem como na terceira noite.
No terceiro dia as equipes começavam a diminuir durante o período e à noite o desânimo já tomava conta da maioria das pessoas, mas não de Josélia, que resolveu apelar para uma simpatia que segundo a lenda Cubana encontrava corpos de pessoas afogadas. A idéia, embora bem intencionada, causou enorme polêmica e discussão entre os céticos e religiosos que desacreditavam e duvidavam da veracidade de tal procedimento. Diante do impasse, Lindomar o marido de Josélia, que sempre apoiava sua esposa nas suas decisões, tomou as dores dela e foi ele mesmo realizar a tal simpatia contrariando a vontade da família e dos descrentes.
Naquela mesma noite eu e minha esposa íamos a uma novena (encontro de famílias de grupos de oração), tanto na ida, quanto na volta, ao passar pela beira do mesmo rio eu senti um cheiro que não me era estranho, mas não era de gente morta, pois eu também já conhecia cheiro de gente morta, e senti também uma presença inexplicável para mim, como se alguém estivesse ali na beirinha do rio, mas não pudesse ser visto.
No outro dia de manhã eu fui trabalhar e minha esposa foi à cidade, estávamos na parada na frente de casa esperando o ônibus quando avistamos no meio do rio uma vela ainda acesa dentro de uma gamela, minha sogra que estava por perto disse:
- É para encontrar o corpo da Gertrudes!
Meu cunhado, que também não acredita nessas crendices contestou:
- É nada! É uma homenagem à falecida!
Mas, minha sogra insistiu:
- É simpatia e funciona!
A vela dentro da gamela parecia ter parado ali na frente de nossa casa, mas algumas vezes seguia curso, e em outras voltava, num estranho vai-e-vem, digo estranho por que eu já vi as correntezas do rio ou subirem, ou descerem, mas nunca nesse vai-e-vem e sempre num mesmo trecho, porém como estava na hora do ônibus chegar não damos muita atenção ao fato.
O ônibus chegou, embarcamos e seguimos nosso destino deixando minha sogra e meu cunhado em seu caloroso debate.
Já na volta, voltávamos juntos no ônibus do meio-dia, uma vizinha ligou para minha esposa comunicando que o corpo fora encontrado na beira do rio enredado nas tiriricas em frente à nossa casa. Minha esposa se virou para mim e disse:
- Acharam o corpo!
- Na frente da nossa casa! - Retruquei com pesar.
- Eu já sabia desde ontem à noite.
- E porque não me disse? - Perguntou-me ela zangada.
- Eu senti um cheiro que não era de gente morta e uma presença que não podia explicar e não te contei porque não me acreditaria, e se tu não me acreditarias, tu imaginas os outros, e se eu estivesse enganado?
Descemos do ônibus e fomos ao local onde estava o corpo, que era o mesmo local onde eu sentira o cheiro e a presença, mas não era o local onde o corpo fora encontrado, pois era difícil o acesso e fora então retirado do rio por ali.
O rio é a divisa de dois estados e por conta disso havia grande debate sobre qual IML estaria na responsabilidade do corpo, e após muita discussão e um período desgastante de mais de uma hora finalmente a equipe técnica chegou, durante o resgate do corpo fiz o sinal da cruz diante da falecida, minha esposa então sussurrou ao meu ouvido:
- Não adianta... Ela era crente...
- Não faz mal... Respondi também sussurrando.
- Para Deus não importa a religião, e sim o amor que as pessoas sentem por ele... É o que eu acredito...
Assistimos o IML levar o corpo e fomos para casa.
“Deus te concedeu o benefício da dúvida, mas te deu também o dom da incerteza, crer em Deus é usá-los com sabedoria!”
Por: Edison Cardoso Teixeira. Baseado em fatos reais.
FRANKESTEIN – UMA NOITE DE HALLOWEEN.
A bela Jazebel Frankestein, mulher do meu desafeto, estava ali bem diante de mim, deitada e semimorta. Era a oportunidade que eu precisava para quem sabe resolver todos os meus problemas, e eu não a desperdicei. Vou relatar agora como tudo aconteceu.
O brilhante médico e cientista Dr. Edgard Winston Frankestein acabara de receber o prêmio Nobel da medicina quando um contínuo veio a lhe transmitir um recado:
- Dr. Frankestein... Falou cochichando-lhe ao pé do ouvido...
- Sinto muito lhe dizer, mas sua esposa sofreu um acidente e parece ser grave!
O médico angustiado agradeceu o prêmio, se desculpou retirando-se às pressas do auditório. Chegando ao hospital, constatou que sua bela esposa já havia falecido. Ainda muito abatido preencheu os protocolos obtendo autorização para levar o corpo para casa.
Quando o mundo ainda comentava deslumbrado sobre a possibilidade de se congelar corpos para mais tarde serem reavivados, o Dr. Frankestein, em segredo, já tinha tudo preparado para o primeiro teste, porém, só estava lhe faltando um corpo. Sua vocação para a ciência falou mais alto, aliada a possibilidade de um dia reviver sua adorada esposa, submeteu-a ao processo de congelamento ao qual deu o nome de criogenia.
Alguns dias depois fora chamado ao distrito policial, chegando lá o delegado lhe disse:
- Dr. Frankestein, parece que sua esposa ou foi vítima de um erro médico, ou de um assassinato!
- Como assim! Dr. Delgado?! Inquiriu o médico espantado.
- Os laudos médicos do hospital onde sua esposa estava internada se contradizem, teremos que dar procedimento a uma autópsia.
- Se possível, gostaria de acompanhar a autópsia... Murmurou o médico pesaroso.
- Não tem problema, mas onde ela está sepultada?
- Não está sepultada, está congelada em meu laboratório.
- Mas isso é ilegal! Retrucou o delegado indignado.
- Seria... Se eu não tivesse autorização! Disse, entregando um documento ao delegado.
- Pode ficar, é uma cópia.
- Pois muito bem! Daqui a quinze dias, leve o corpo dela ao legista e aí então faremos os procedimentos.
Aproximadamente uns vinte dias após ter sido feita a autópsia veio o resultado, dando-se a constatação de altas doses de sulfato, elemento químico letalmente nocivo para ela. O assassinato se confirmara, até mesmo por conta da alta dosagem, contrariando qualquer prontuário médico, diante disso o Dr. Frankestein teve cassada a sua autorização para ficar com o corpo da sua esposa e passava a ser o principal suspeito. Desesperado por ver perdida a possibilidade de reviver a esposa através da sua descoberta e mostrar ao mundo que a criogenia realmente funciona, o médico caiu no fundo do poço tomando atitudes pouco convencionais e após desastradas manifestações públicas teve suas licenças de médico e cientista cassadas e sua tese considerada uma sandice.
Num porão de um prédio abandonado construiu seu laboratório clandestino totalmente obcecado por vingança e pelo seu projeto científico. O prêmio Nobel ainda gozava de algum prestígio na comunidade médica e científica, aproveitava-se disso para conseguir material para suas experiências. Após ter acondicionado vários corpos constatou que não tinha um corpo totalmente sadio para tentar criogenar e reviver posteriormente, portanto, teve a idéia de reconstruir um ser com membros de corpos diferentes, instigando ainda mais sua demência. Por causa da complexidade para obter corpos havia conseguido os de facínoras ou revoltados indigentes que ninguém os reclamaria para sepultar.
Depois de uma exaustiva triagem dos corpos conseguidos finalizou a seguinte composição para a criação do ser criogenado:
° Todos os órgãos internos, menos o coração, do perigoso assassino e estuprador, o italiano Tomazio Mancini, enforcado pelo pai de uma menina que ele estuprou e matou, curiosamente era um indivíduo fisicamente sadio.
° O conjunto completo de braço, antebraço e mão direita do faquir hindu Matyas Mahtma. Vivendo de esmolas que ganhava com seus espetáculos de faquir nas praças, vez por outra era contratado como um assassino profissional devido a sua extrema habilidade com facas. Foi executado com vários tiros na cabeça para queima de arquivo.
° O conjunto completo de braço, antebraço e mão esquerda do lutador de kung-fu, o chinês Shi Wei Chung, bem como o hindu era artista de rua, com habilidade de esmagar objetos com a mão esquerda. Era suspeito de algumas mortes por estrangulamento, porém, sem ter sido provado nada contra ele. Um dia acharam seu corpo num beco, com uma facada certeira no coração.
° O conjunto completo de perna e pé direito do irlandês lutador de boxe Ryan “Esmagador” Carey, que derrotado pelo peso da idade e castigado por constantes fracassos se envolveu com a máfia trabalhando como cobrador de contas. Andava sempre com capangas nas suas cobranças, quando o devedor não tinha como pagar era assassinado tendo sua cabeça esmagada pelo potente pé direito do esmagador. Foi morto por um veterano de guerra a quem foi cobrar e os atocaiou matando a todos.
° O conjunto completo de perna e pé esquerdo do corredor olímpico africano Yakini Faraji, ficou na miséria após ter deixado sua terra, vindo a trabalhar como engraxate pelas ruas. Um homem tentava estuprar uma menina num matagal, Yakini foi socorrer a menina, o bandido fugiu, quando a turba chegou encontrou a menina chorando em seus braços, lincharam-no sem chance de se defender.
° A cabeça era de Henry Hudson, político inglês cassado por alta corrupção. Já sem nenhum horizonte resolveu fundar uma seita satânica cujos adeptos eram burgueses que queriam preservar suas fortunas com a ajuda de Belzebu. Com uma generosa quantia acumulada pelas doações constantes dos adeptos decidiu montar um falso suicídio coletivo para agradar Satã, no entanto, os adeptos suspeitando do golpe decaptaram-no, oferecendo-o em sacrifício.
° O corpo, tronco, de Gregory Davidson, talvez o inglês mais forte já visto. Tal força adquirida ao longo dos anos pelo duro trabalho numa jazida de basalto onde manuseava um malho de 10 quilos. Sem muita perspectiva de elevar seu padrão de vida com aquele trabalho braçal decidiu mudar de ramo. Depois de muito perambular desempregado se tornou membro de um esquadrão de extermínio devido a sua descomunal força. A tantos matara, mas acabou sendo esquartejado pelos parentes de uma de suas vítimas.
° O coração, nenhum ser humano sobreviveria sem um, mas como preservar o desejo sedento de vingança, que coração teria os mesmos anseios do seu próprio? A loucura obsessiva do médico realmente estava aquém do compreensível, tanto que acreditava poder viver dentro daquele corpo reconstruído. Chamou o Dr. Mac Kinley outro cientista seu amigo para ajudá-lo, sim, o coração do Dr. Frankestein daria vida ao monstro.
Dentro laboratório clandestino, com toda a parafernália montada o processo estava correndo conforme o planejado, mas naquela noite de Halloween uma tempestade com raios e trovões tomava conta do cenário lá fora, trespassando muita luminosidade pelas ventarolas do porão. Quando o coração do Dr. Frankstein, morto pelo colega que o ajudava na experiência, já estava dentro do monstro, no ato final da criação, um forte e longo raio adentrou ao porão por uma das ventarolas atingindo os equipamentos ligados à criatura. A potente descarga elétrica do raio terminara o trabalho e o monstro dava sinais de vida, a experiência, inda que de maneira torpe atingira o objetivo e o grotesco ser vivia. O monstro, já acordado, não disseminava ainda ao que se passava à sua volta, diante do olhar incrédulo do cientista, e teve a reação mais natural de todo o ser humano ante a uma situação extrema de medo e incompreensão, explodiu em ira defensiva, iniciando a verdadeira noite de Halloween.
A criatura descontrolada desceu num salto da mesa cirúrgica e estraçalhou o cientista sem qualquer esforço, subiu as escadas do porão do velho prédio, ouvia vozes que gritavam ao seu ouvido. O coração do Dr. Frankestein batia acelerado bombeando o latente desejo de vingança e era só o que o monstro assimilava, era fato, o coração dominava a criatura, como o doutor havia previsto. Saiu do velho prédio abandonado para encontrar o hospital onde a bela Jazebel fora assassinada, dali para adiante a voz do Dr. Frankestein sempre o acompanhava murmurando mesclada às outras vozes:
- Vá ao hospital... Mate a todos...
Enquanto que as outras vozes diziam:
- Não mate a ninguém, monstro...
- Pule do desfiladeiro...
- Gruuuaaa... Gruuuaaa... Gruuuaaa... Gruuuaaa...Grunhia o monstro em latente agonia, como a responder às vozes que o atormentavam.
A voz do doutor sobressaía-se às outras causando de vez em quando mórbida confusão no cérebro do endiabrado político. O monstro andava vagando pelas ruas e à medida que caminhava ia tentando ligar os intrincados elos da corrente do seu existir, quando repentinamente ouviu um grito:
- Pare e identifique-se! Bradou um policial já lhe apontando uma arma, ainda pasmo pela grotesca visão à sua frente.
- Gruuuaaa! Gruuuaaa! Gruuuaaa! Gruuuaaa!
O incrédulo ser até tentou vociferar algumas palavras, mas de sua garganta só saíam grunhidos medonhos e incompreensíveis e continuou no seu tétrico andar.
- Pare em nome da lei! Ou atiro! Disse o policial aos berros, demonstrando já grande inquietação.
Mas o monstro nem sequer se perturbou com a veemente ameaça e seguiu o caminho do seu carma. O policial, na tentativa de parar o desobediente interpelado atirou na sua perna direita, a perna do esmagador parecia de concreto, pois a bala só raspara e nem sequer o deixara manco. A criatura, após uns instantes de perplexidade enveredou na direção do policial na clara intenção de atacá-lo, esse por sua vez num ato de desespero atirou até esvaziar o tambor no peito de aço do minerador, que sangrou, mas algo de inumano havia naquele ser que não tombava, estraçalhou o policial numa ira descomunal. E ia seguindo seu caminho, quando ouviu um gemido à suas costas, era o policial que estranhamente parecia estar ressuscitando, acontece que as almas dos que tinham partes de corpo no monstro queriam se redimir e ganhar a liberdade, mas para isso era preciso dois acontecimentos, um, que o monstro fizesse menos mal o possível e outro que fosse destruído, de qualquer maneira os espíritos precisavam detê-lo o mais depressa possível antes que ele adiasse ainda mais a tal libertação com seus crimes horrendos, inclusive a nefanda vingança. Na tentativa de que o policial transformado em zumbi detesse a criatura, o que não aconteceu, pois sua força titânica aliada ao ódio em erupção no coração do Dr. Frankestein o monstro ganhara poderes indescritíveis, a ponto de derrotar outra criatura tão mística quanto ele e estraçalhar o policial morto-vivo com ainda mais ferocidade que antes.
Na noite de Halloween as crianças saem às ruas pedindo doces nas casas e apesar do mau tempo que fazia havia ainda algum movimento, algumas ficavam encantadas com a criatura pensando que fosse alguém fantasiado e outros se assustavam diante da aparência medonha daquele estranho ser. O cérebro do político resolveu então conduzir o macabro corpo reconstituído para as galerias de esgoto, com túneis espaçosos e de longa distância, dariam um bom abrigo durante a jornada.
Enganosamente o esgoto que parecia inabitado tinha alguns moradores, mendigos, drogados e criminosos de todas as espécies coabitavam, ora em harmonia, ora e desarmonia, conforme a necessidade da situação. O monstro encontrou um grupo de oito desses habitantes das galerias, o que parecia ser o líder do grupo era um afro-americano enorme, de aproximadamente quase dois metros de altura e porte físico de halterofilista e vestia-se semelhante a um lutador de luta livre, que em tom de visível ameaça bradou:
- Pode parando aí! Criatura estranha! Aqui é nossa área e ninguém passa sem a nossa permissão!
- Gruuuaaa! Gruuuaaa! Gruuuaaa! Gruuuaaa! Grunhiu em alto tom de voz o monstro que pouco discernimento tinha ainda de tudo o que acontecia a sua volta e do seu jeito replicava.
Foi o primeiro a enfrentar a criatura, o chefe do bando, devido a sua avantajada forma física até esboçou uma reação, mas não durou muito, bastou um acesso de cólera e o monstro o deixou em pedaços diante do olhar pasmo de seus amigos que bateram em retirada, porém, não foram muito longe, as sete almas angustiadas resolveram interferir mais uma vez, e cada uma se apossou de um dos moradores do túnel e fizeram com que atacassem o monstro sem temeridade. Durante a épica luta o monstro de Frankestein parecia não vencer os sete elementos possessos e enfurecidos, mas a ira contida dentro do ser diabolicamente ávido por vingança o dotara de uma força colossal e o fez vencedor daquela tensa batalha, os espíritos e suas dementes criações haviam sido derrotados por ora.
- Você nos venceu agora Frankestein... Mas voltaremos a nos encontrar... Sussurrou a boca do político numa tênue voz saída do próprio monstro.
Às vezes numa confusa fúria incontrolada a criatura agredia a si mesma, numa tentativa fútil de autodestruir-se sob pesada influência dos espíritos, pois o coração do doutor predominava sempre, inda que certa vez a aguçada lâmina do faquir chegara a feri-lo com grave risco.
Perambulou ainda mais um tanto pelas galerias do interminável esgoto, quando chegou a uma boca de escoamento que culminava num bosque. A paz do bosque o fez repousar um pouco, pois suas condições ainda humanas sugeriam descanso. Mas o repouso foi breve, pois o instinto vingativo do monstro exigia urgência. Enveredou pelas trilhas do bosque sempre seguindo em direção do hospital, objeto da irredutível vingança, e já estava a um bom trecho caminhado quando percebeu silenciosa movimentação entre uns arbustos, quando num sobressalto surgiu à sua frente um descomunal lenhador empunhando um enorme machado que gritou em claro e bom tom de ameaça:
- Ah! Monstro esquisito! Aqui no meu bosque você não fica!
O monstro de Frankestein tinha diante de si mais um perigoso inimigo, o gigante derrubador de árvores desferiu um golpe, que numa pessoa normal seria a morte certa, mas naquele colosso não passou de um pequeno corte, o monstro agarrou o machado do perplexo lenhador, arrancou-o de suas mãos e o estraçalhou com sua própria arma. Os espíritos mais uma vez tentaram outra investida contra Frankestein, apoderaram-se do corpo despedaçado do lenhador, tornando-o uma criatura tão poderosa quanto ele, pela primeira vez o monstro de Frankestein parecia intrigado devido à envergadura e o olhar gélido de seu oponente. O ataque do lenhador inumano fora brutal e descarregava todo o poder que os espíritos lhe haviam concedido como que a querer finalizar seu intento já na primeira batalha. Frankestein caíra por duas vezes por conta do poderio de seu inimigo, mas com o corpo lavado de sangue e uma ira desproporcionalmente alucinada, fazendo estremecer a criatura que parecia ser bem mais forte que ele próprio se levantou e bradou um grunhido horrendo como que se dissesse basta:
- Gruuuaaaaaa!
Seu corpo todo se enrijeceu, fechou os punhos e em vez de estraçalhar seu oponente como das outras vezes, ele socava de maneira esmagadora com ódio sobre-humano como que possuído por demônios, mas uma mais vez o monstro de Frankstein era vencedor e o lenhador transformado jazia no chão completamente imóvel. Os espíritos sussurraram com amargura em voz uníssona:
- Frankestein... Frankestein... Nós o deteremos...
Já perto de atravessar o bosque, ao longe ele ouvia a algazarra das crianças pela noite de Halloween e meio que se alegrava, pois parecia entender que se aproximava o fim de sua árdua jornada. Antes de sair do bosque ele novamente repousara por causa dessa última luta que lhe consumira muita energia, a parte humana do monstro realmente precisava recompor-se e então pela primeira vez Frankestein sentiu fome e sede.
Saindo do bosque por detrás de uma casa, sentiu cheiro de comida e lembrou-o a sua parte ainda humana que o que sentia era bom e que precisava comer. Adentrou à casa de onde saía o cheiro, quis o destino que as pessoas da casa estivessem na rua, mais precisamente na frente da casa e nem se davam conta da presença da criatura. Frankestein pode então recuperar suas energias humanas e comeu toda a comida que havia em cima da mesa e bebeu todo o suco, rapidamente saiu por onde entrou.
Esgueirava-se por detrás dos prédios, pois parecia entender a importância de não ser mais visto dali por diante, porém sua tentativa de se esconder não deu muito certo, sete crianças o viram, a primeira reação dos pequenos foi se assustar, mas como o monstro não esboçava nenhuma ameaça se aquietaram e o admiravam pensando ser uma fantasia. Os espíritos resolveram não desperdiçar mais essa oportunidade e completamente desesperados e equivocados tomaram os corpos das crianças transformando-as em criaturinhas medonhas e fortes na intenção de deter o monstro de Frankestein, dessa vez as almas condenadas colocaram quase todo o seu poder nas criaturinhas, pois talvez fosse essa a última cartada.
Por sorte Frankestein estava totalmente recuperado, porém essas novas possessões dos espíritos estavam fatalmente poderosas, tal que cada criança incorporou o personagem de sua fantasia, sendo:
° A bruxinha, essa ficara com aparência e poderes de uma bruxa dos contos de fada, só que muito mais horrível, sua função era de lançar a Frankestein encantamentos, fragilizando-o para que as outras criaturinhas o pudessem atacar, porém, o monstro era também um ser místico e isso minimizava os efeitos dos encantamentos.
° O gnominho, especialista em cordas, de fisionomia horrenda, mas muito hábil, sua função era de tentar amarrar a Frankestein pelas pernas para e derrubá-lo, no intento de que as outras criaturinhas pudessem finalizar o ataque.
° O lobinho, a miniatura de lobisomem era mesmo de dar medo, mas não ao monstro de Frankestein que desafiava as garras e presas super afiadas do mitológico ser que atacava aleatoriamente esperando que o monstro fosse derrubado para dar o golpe final.
° A fadinha, se é que se pode chamar assim aquela criaturinha repugnante, nos contos de fada sua função era proteger as crianças, nessa batalha também, porém ela tinha que proteger os outros pequenos transformados dos ataques de Frankestein.
° A mumiazinha, todo enrolado em gazes e ataduras o menino adquirira a forma idêntica a uma múmia das catacumbas egípcias só que numa versão muito mais horripilante e dotada de força descomunal e parecia não parar nunca por mais que Frankestein a atacasse.
° O zumbizinho, na fantasia ele estava vestido de zumbi com uma faca de plástico na cabeça, na transformação foi revestido de potente musculatura e aspecto horrendo, com duas adagas enormes, uma em cada mão, seus ataques eram os mais perigosos e eram os que Frankestein mais se defendia.
° O maguinho, talvez o elemento mais importante do conjunto todo, com extremo poder místico dado a ele pelo espírito do faquir que era especialista em concentração, cabia a ele restaurar as forças místicas e físicas dos outros monstrinhos transformados e a esse é que Frankestein deveria destruir primeiro, enfraquecendo os outros em todos os sentidos, pois o maguinho era o líder intelectual dos ataques.
As criaturinhas, após a transformação, atacavam sempre dizendo com voz rouca e trêmula:
- Tio! Um doce ou uma travessura?
- Gruuuaaa... Gruuuaaa... Gruuuaaa... Gruuuaaa...Grunhia o monstro, como se entendesse o que as criaturinhas diziam..
Eram apenas crianças brincando na noite de Halloween, mas o Dr. Frankestein desejava em seu íntimo que fosse esse o seu último desafio antes de concretizar sua tão ansiosa vingança e embora as tenha vencido suas forças sobre humanas começavam lentamente a lhe abandonarem.
Continuou vagando pelas ruas, ante aos olhares perplexos dos que encontrava pelo caminho, sua jornada só foi possível porque as pessoas acreditavam ser mais um personagem da noite de Halloween. Finalmente chegou ao portão principal do hospital onde falecera sua adorada Jazebel, objeto da sua vingança. Daí a constatação que os sete monstrinhos não foram o seu último grande desafio, o vigia do hospital deveria ser uma pessoa normal, mas não era, e nem era obra dos espíritos revoltados também, a mente sagaz do político e religioso inda que fracassado sabia, era obra do próprio demônio querendo testar a Frankestein para quem sabe torná-lo um soldado seu na luta em prol do mal.
O vigia detivera-o na entrada indagando-lhe:
- Onde pensa que vai, Frankestein?!
- Gruuuaaa... Gruuuaaa... Gruuuaaa... Gruuuaaa...Grunhia... O monstro em grunhidos, como a tentar responder ao vigia.
- Tenho ordens monstro, daqui você não passa! Bradou em tom firme tentando intimidar a criatura.
O gigante vigia fizera balançar realmente as oito partes daquele corpo costurado, mas a criatura de Frankestein não conhecia o medo e apesar de fragilizado enfrentou o colossal oponente numa batalha dantesca onde o sangue negro e putrefato daqueles seres deformados banhava a calçada de pedra do velho hospital. O inabalável monstro de Frankestein vencera mais uma vez e o que parecia impossível ao próprio demônio acontecera, a criatura advinda de um raio desferido em um amontoado de pedaços de corpos atravessara toda aquela carnificina e parecia atingir seu objetivo adentrando ao hospital.
Bastava ao monstro de Frankestein agora apenas procurar e matar os responsáveis pela morte da bela Jazebel, e aos espíritos, já tão desgastados por contínuos fracassos ao tentar conter tão poderosa criatura, guiada pelo ódio vingativo e o coração de seu criador o Dr. Frankestein, restava apenas assistir ao desfecho fatídico do episódio, quando a mente suja e astuta do político e religioso fracassado tivera a idéia para uma última tentativa de salvação, reuniu os espíritos foram ao necrotério para possuir o corpo congelado da bela Jazebel, mas sua alma estava por lá guarnecendo seu corpo e lhes perguntou com voz enfurecida:
- O que querem com meu corpo?! Deixem-me em paz!
- Calma Jazebel! Retrucaram os espíritos assustados, pois eles temiam muito ao poder de um espírito puro como o dela.
- Só estamos tentando consertar o que Frankestein anda fazendo, porque não conseguimos partir por causa dele... Falaram em tom mais calmo, sempre com voz uníssona e repleta de amargura.
- Eu também não tenho paz por causa disso... E meu corpo esta aí desse jeito sem um sepultamento decente, mas o que fazer?! Disse ela também cheia de tristeza.
- Venha conosco Jazebel! Quem sabe você o convence a parar e dar o descanso a todos nós, inclusive a ele mesmo!
O espírito benévolo da bela Jazebel concordou e os seguiu até o hospital, chegando lá encontrou Frankestein atarantado em sua frenética busca por vingança já no saguão principal do velho hospital. Naquela noite de Halloween havia poucas pessoas pelo hospital e o único vigia de plantão ele já tinha derrotado no pátio, e as pessoas que encontrava fugiam assustadas, pois na claridade do interior do hospital via-se nitidamente que não era fantasia, o que não acontecia na escuridão da rua e confundia a todos.
Ela apareceu diante dele numa visão carnal, deixando-o entre o perplexo e o encantado, ela aproximou-se bem para perto dele, beijou-lhe os lábios e tocou-lhe o rosto suavemente falando a ele com a mesma doçura de quando ainda estavam juntos:
- Frankie! Frankie, meu amor... Vá buscar a paz para nós...
Ele se prostrou de joelhos ao chão e disse as únicas palavras durante toda a sua peregrinação:
- Bel... Primeiro balbuciou triste como se sussurrasse em seus ouvidos.
- Jazebel!!!! Gritou, enquanto ela se afastava, como se sentisse novamente todas as dores que sentira até agora, porém todas ao mesmo tempo.
Levantou-se e a seguiu até a beira do despenhadeiro que margeia os cânions, pararam rente ao peral, ela pegou em sua mão e sorriu-lhe com os olhos cheios d’água, pela primeira vez o monstro de Frankestein chorou e pularam juntos no Cânion das Sombras sob o olhar aflito e atento dos sete espíritos que chegaram à beira do precipício e lá embaixo avistaram o corpo do monstro de Frankestein, despedaçado, exatamente em partes iguais de quando fora criado, e naquela noite fria e assombrosa de Halloween a tempestade recomeçara, quando um estrondo raio desfizera o que havia sido feito por outro raio na mesma noite.
Se as almas torturadas de Frankestein e dos sete membros que compuseram aquele titânico corpo deteriorado, se salvaram, ainda não sei, sei que a minha talvez não se salve, por ter matado a bela Jazebel com sulfato, mas isso é outra história.
Por: Edison Cardoso Teixeira escrito em novembro de 2010, baseado na obra imortal da escritora inglesa Mary Shelley, “Frankestein”, escrito entre 1816 e 1817 quando tinha 19 anos e a obra foi primeiramente publicada em 1818, sem crédito para a autora na primeira edição. Atualmente costuma-se considerar a versão revisada da terceira edição do livro, publicada em 1831, como a definitiva.
Fonte da informação: Wikipédia.
O velho e o bêbado.
Nicanor tinha setenta e dois anos, viúvo, aposentado, com a saúde um pouco debilitada e com visíveis sinais da crise da terceira idade. Tendo dois filhos, sem, porém, morar com nenhum deles, preferia viver sozinho.
Após operar um tumor benigno e vencer um coma de vinte e nove dias causado por uma infecção generalizada, resolveu contratar uma diarista para os serviços que já não podia mais fazer. Conheceu então, Estela, loira, linda e de apenas vinte anos, de família pobre e humilde do interior, não teve muitas oportunidades de trabalho. De bem com a vida estava sempre radiante e alegre. Tanta vivacidade despertou em Nicanor um sentimento que talvez não fosse o mais adequado.
No começo, ele até conseguia disfarçar seus sentimentos, mas, com o passar do tempo a noção do possível ficava cada vez mais distante para ele.
Estela não se incomodava com as brincadeiras do bondoso ancião e sempre se ria junto com ele e essa relação beirava a uma amizade inocente. Tudo parecia estar correndo dentro da normalidade possível, até que Nicanor começava a dar sinais de um envolvimento mais profundo naquele clima de descontração, plantando vontades e pensamentos em seu coração e cérebro já um tanto fragilizados e minados pela alegria e pelos encantos da bela guria.
Quando a mão cruel do tempo age em nós, coisas absurdas podem nos acontecer se não entendermos o seu recado, foi o que aconteceu com Nicanor, que alheio ao presente que o destino lhe reservara pensou que talvez pudesse ter ainda mais, foi seu erro. Nicanor tomou a decisão que talvez fosse a mais imprópria que tomara até agora, declarou sua paixão à bela jovem e lhe pediu que viesse morar com ele.
A primeira reação da linda moça fora colocar o rosto entre as mãos e chorar em soluços, como se ao tentar tornar a vida do bom velhinho mais agradável tivesse errado. Pediu desculpas e saiu porta a fora ainda chorando e não mais apareceu.
O golpe foi duro para o velho Nicanor que caiu em depressão profunda, deitou-se e não mais se levantou, não comia, não tomava os remédios, não fazia a nebulização e chorava o tempo todo que nem criança, no máximo, se acalmava e levantava-se apenas para ir ao sanitário inda que muito raramente.
No dia seguinte, Roberto o filho mais velho dele telefonara sem obter resposta, falara à sua mulher Laura, que preocupada fora ver o que acontecia e deparou-se com o bom velhinho naquele estado lastimável. Roberto, que costumava beber mais cachaça do que água e que vivia sempre embriagado, tanto que esse estado rotineiro já lhe rendera o carinhoso apelido de “Bob Esponja”, nem sequer se perturbara com o triste relato de sua esposa alegando que era coisa de gente velha.
Já era manhã do segundo dia e o velho Nicanor não reagia, resistindo no seu mórbido intento em morrer de desilusão e permanecendo no seu doentio estado de inanição. Laura por sua vez, percebendo o completo descaso do marido quanto à saúde do próprio pai, resolveu avisar Marisa, mulher de Rodrigo, o filho mais novo do adoentado ancião, que atendeu de imediato a sua concunhada.
Ao chegar deparou-se com o velhinho agonizando aos prantos e bradando que não morrera de câncer, mas, morreria de amor, causando assim, com tal afirmação um surto de risos em Marisa. Laura, que xingava por conta da gravidade da situação mandou que ela chamasse Rodrigo seu marido, que ele talvez soubesse o que fazer diante do inusitado.
Rodrigo, enfim, foi o último a ser avisado, até mesmo por causa de sua austeridade, principalmente em situações críticas. Já era quase noite do segundo dia, e ele por sua vez, resolver tomar as rédeas daquela triste situação, ele adorava sentir-se líder de algo, inda que nomeado por si próprio e para tanto não desperdiçava qualquer chance. Por dois dias seguidos ele tentou, usou de todos os artifícios e discursos de que tinha conhecimento para convencer o velho pai a se conformar e se reerguer de seu catre fúnebre, sem, no entanto, o menor resquício de sucesso possível, pelo contrário, o velho Nicanor parecia ainda mais depressivo e adoentado.
Chegada então, a noite do quarto dia, e a debilidade física e mental do idoso culminava para uma situação cada vez mais drástica e talvez até irreversível. Rodrigo já demonstrando sinais de bastante preocupação resolveu chamar o serviço de emergência que lhe indicou procurar primeiramente pelo posto de saúde local, por não considerarem o caso realmente grave e que tal socorro só poderia ser efetuado se o paciente concordasse em receber o atendimento ou não estivesse em condições reais de recusá-lo, o que não configurava a situação em questão, pois, o maior desejo do velhinho era justamente morrer e não ser socorrido e ademais aparentava lucidez.
Nesse ínterim, Rodrigo já havia recorrido também aos vizinhos mais próximos, inda que um tanto quanto envergonhado, pois, o episódio parecia até ser meio cômico. Todas as alternativas usadas não estavam sendo o suficiente, nenhum argumento de nenhuma pessoa que investira em uma tentativa surtira o menor efeito em demover o velho Nicanor do seu intento lastimoso de morrer de amor. Rodrigo finalmente jogou a toalha, depois de dois dias de peleja e usando todos os ardis de que dispunha se deu por vencido, o jeito agora era esperar para ver se o seu velho pai resistira até resolver por conta própria reagir e sair daquele poço em que ele mesmo entrara, saiu cabisbaixo e foi para sua casa aguardar notícias dos parentes que moravam mais perto.
No outro dia bem cedo se preparava para ir trabalhar quando o telefone tocou, ele mais que depressa correu para atender já bastante apreensivo. Era seu pai ao telefone, dando conta de que estava tudo bem, que já tomara os remédios, já tomara um café da manhã bem gordo, como dizem os mais velhos, e já fizera a nebulização, que não se preocupasse mais, pois, a crise já havia passado. Rodrigo se despediu do pai, desligou o telefone e ficou sentado no sofá, pasmo, sem entender o que havia se passado, pensando em todas as hipóteses que levassem o velho Nicanor a mudar assim repentinamente de decisão, pois, todo o possível havia sido feito para que ele não sucumbisse, e depois de tantas tentativas, de tantos apelos, de tanto implorar, o que haveria de acontecer, que fora esquecido, para que o idoso caísse em si mesmo e revogasse sua firme decisão de morre de amor.
Seria praticamente impossível para Rodrigo ir trabalhar sem antes solucionar esse mistério, tais pensamentos não o deixavam atinar em mais nada que não fosse o porquê da repentina recuperação de seu velho pai, não que ele não o quisesse, afinal, batalhara por isso durante dois longos dias. Dirigiu-se a casa de seu pai, acreditando que só pessoalmente e em uma conversa franca com o idoso poderia solucionar o enigma, porém, não foi nem necessário chegar até a casa de seu velho pai, pelo caminho, já perto da casa, encontrou um vizinho irônico que cujo relato fizera estremecer os brios de Rodrigo.
Roberto que até então não estava nem aí resolveu meter seu bedelho no desenrolar do épico episódio, na noite anterior, pouco depois que seu irmão havia entregado os pontos indo embora, ele chegou à casa de seu pai num indisfarçável estado de embriaguez e despejou toda a sua filosofia de ébrio, toda a sua psicologia de botequim, e em menos de dez minutos fizera Nicanor, seu pai, mudar completamente de idéia, conclusão, o bêbado salvou a vida do velho.
Que dizer de tal acontecimento? Inusitado? Incompreensível? Quem sabe impossível? Quem diria ainda, inacreditável? Seja lá o que for só restara a Rodrigo continuar a se dirigir para a casa do velho pai e confirmar a veracidade do relato do vizinho. O que foi realmente confirmado pelo bondoso velhinho, Roberto estivera ali pouco depois de sua saída na noite anterior e lhe abrira os olhos para a vida. Rodrigo encerrara a visita ao pai e saiu dali balbuciando ainda espantado com a verdadeira passagem do velho e o bêbado.
Escrito em 13 de abril de 2011, por Edison Cardoso Teixeira.
Baseado em fatos reais.
Torres-RS.